Na época em que os homens decidiam pelo dueto, quase sempre, as suas desavenças mais graves, encontra-se, pela vez primeira, dois famosos fidalgos e não menos famosos espadachins.
Vinham por uma estrada, em direções opostas, e chegaram, na mesma ocasião, diante de magnífica estátua, que parecia ainda mais portentosa sob a luz do sol, naquela tarde primaveril. Apesara-se dos garbosos cavalos que montavam e puseram-se a admirar o monumento, por alguns instantes, cada qual do lado em que se encontrava.
Rompendo o silencio, de repente um deles exclamou:
- Bela estátua! E toda de Ouro!
- Que não, replicou-lhe o outro. Era, com efeito, uma bela estátua, inteiramente de prata.
Fez-lhe sentir o primeiro a sua alta hierarquia de nobre cavalheiros, acentuado que jamais faltara á verdade e que só poderia receber como afronta á sua honradez a duvida levantada contra aquela afirmativa.
Ponderou por seu turno, o segundo, que possuía iguais prerrogativas e predicados, e considerava com zombaria insólita a insistência do outro fidalgo.Os ânimos se exaltaram, preponderando, em cada um deles, sem tardança, o irresistível ímpeto de exímio espadachim. E porque ambos se julgassem feridos em sua dignidade, resolveram, afinal, depois de furiosa discussão, bater-se em duelo.
Após uma serie de golpes decididos, com os quais demonstraram maestria no manejo da espada, conservando inalteradas as respectivas posições, simultaneamente se atravessaram em violenta estocada. Mortalmente feridos, cambalearam e caíram em direções diametralmente inversas, cada um no chão que o outro antes pisava. Só então puderam notar que ambos tinham razão: a estatua era, de um lado, de ouro, e, do outro, de prata.
Num supremo esforço, aproximaram-se, arrastando-se, e, chorando de dor, comoção e arrependimento, abraçaram-se. Exprimiram, mutuamente – com lagrimas na voz débil e compassada, arfando de sofrimento físico e moral – grande admiração e respeito.Cada um pediu ao outro que lhe perdoasse, pois se cavalheiros dignos e honrados, incapazes de mentir. Tarde, porém, porque, com o morrer do sol no horizonte, também eles morriam.
Os seres humanos nada perdem em examinar serenamente as suas dissensões. A precipitação, sempre ou quase sempre, acarreta desfechos lamentáveis, e, ate, fatais. Daí a convivência de verificar, em todos os casos de desentendimento, se a parte contraria terá, também, alguma dose de razão. O mal consiste segundo se depreende, em cada um se depreende, em cada um considerar, em tais conjunturas, possuidor da razão integral.
Esta lenda nos sugere, ainda, a necessidade de não julgar pela aparência. Se assim procedermos, atuaremos sempre mais acertadamente e em consonância com os sábios ensina – mentos de Jesus Cristo.
Extraído de:
Jornal Verologia
Edição XXXII Nº 405 e 406
Artigo referente a Setembro e Outubro de 2006